O artigo que se segue faz parte de um projeto de texto maior que abandonei há algum tempo. Abandonei e cheguei à iminência de excluí-lo de meu PC. Só não excluí por causa do presente texto. Nele, há alguns excertos retirados de apostilas de teologia de institutos de ensino evangélicos que são reveladores. E é este o objetivo deste texto, que por isso foi salvo da exclusão: mostrar um pouco do que está a ser ensinado sobre a Evolução no recôndito das igrejas. Vamos a ele.
É de se esperar que o criacionista critique a Evolução apoiado em sua fé e em seus dogmas sagrados, nunca utilizando meios sólidos e científicos para fazê-lo, é claro. Assim, o que basta ao advogado da Criação para “desmentir” a Evolução, muitas vezes, são dados literais retirados das Escrituras. É como defende Santo Anselmo, teólogo do século XI: “Creio, logo conheço”. Não lhe parecia ser claro que uma alegação tem de ser submetida a uma análise refinada para ser aceita como verdade. Nesse sentido, o pressuposto para se conhecer é unicamente a fé, não é?
Se cresse que há de fato uma divindade chamada Zeus, segue-se que isso seja a verdade, levando em conta que a crença seria supostamente a garantia do saber? Ora, o que há de especial com determinada religião, com determinada fé? A doutrina hindu ou cristã, por exemplo, são dotadas de maior densidade factual que os mitos gregos?
Após falharem as justificativas mitológicas para a Criação, o criacionista certamente fará uso de argumentos como a conhecida “falácia de Paley”, ou então citará pretensas deficiências na evolução darwinista, ou ainda confrontar-se-á com os vazios na teoria, pretextando que seja, por isso, equivocada e improvável. Sem consideráveis conhecimentos sobre a questão, e intimamente sujeito a sua percepção convencional, o indivíduo que deseja derribar a Evolução julga acriticamente seus argumentos, que se lhe afiguram suficientes e, como resultado de sua reatividade e tacanhice, permanecem firmes, invulneráveis às refutações racionais, que, por sua vez, exigem certo esclarecimento do interrogado.
Por mais que haja criacionistas possuidores de certo comedimento em suas asserções, há aqueles que não medem nem superficialmente o grau de admissibilidade de suas crenças, chegando a um estado no qual a estupidez é patente. Como exemplo do absurdo, transcrevo um trecho de uma apostila de um curso teológico evangélico do IBADEP (Instituto Bíblico das Assembleias de Deus no Estado do Paraná), que versa sobre heresiologia e, precisamente no trecho abaixo, sobre o evolucionismo, inserido na seção intitulada “Os ‘ismos’ do pensamento humano (pensamentos errôneos)”. Segue-se a parcela do texto:
O evolucionismo é uma filosofia científica que ensina que o cosmos desenvolveu-se por si mesmo, do nada, bem como o homem e os animais que existem por desenvolvimento do imperfeito até chegar ao presente estado avançado. Tudo por meio de suas próprias forças. É preciso mais fé para crer nas hipóteses da evolução do que para crer nos ensinamentos da Bíblia, isto é, que foi Deus que criou todas as coisas (Gn 1.1, 21, 24-25).
O termo “filosofia científica” tende, sob certo aspecto, a depreciar a evolução, entendendo-a erroneamente como uma mera doutrina ou visão de mundo. No entanto, a teoria da Evolução não pode ser tida como tal, pois é um fato corroborado por evidências naturais de todo tipo, entre elas a genética e a paleontológica. O desatino acima, pelo visto, não tende – ou pelo menos não incita – a um estudo profundo acerca das proposições evolucionistas, apenas evidencia-lhes o absurdo – que a “olho nu” realmente existe – e recomenda a leitura de Gênesis, que, certamente, segundo os autores, contém a verdade absoluta, inquestionável e literal. Por isso, a evolução, ao ser abordada por pastores fundamentalistas, é apresentada como se vê, de modo a criar aspectos falsos e ressaltar faces da evolução que só podem ser entendidas coerentemente mediante exame profundo das evidências, e não pelo senso comum.
Nota-se, ainda, a utilização um tanto implícita da chamada “falácia do espantalho” na definição de Evolução acima apresentada. Num primeiro momento, já se pode notar que, em parte alguma, há sequer uma menção coerente dos reais processos que propelem a Evolução; em vez disso, é suposto que haja, por exemplo, uma inclinação evolutiva total para o desenvolvimento progressivo dos seres vivos, isto é, uma constante e linear evolução da vida, sem revezes, imperfeições, bobagens.
Um religioso que buscasse informações parciais sobre a controvérsia Evolução x Criação, ao buscar o conceito de evolucionismo numa das apostilas de Teologia do IBADEP, sem dúvida sofreria um choque com a classificação proposta, tendo esbofeteado seu sentido de normalidade. Sim, de fato a Evolução é um fato de difícil aceitação quando guiado pelas percepções prosaicas; no entanto, quando esse senso é agredido intensa e voluntariamente com exposições quase que aleivosas da teoria evolucionista, dizendo, por exemplo, que o processo evolutivo de mudança é realizado pelas próprias forças do organismo individual, o entendimento é obscurecido e revestido de reatividade. Aquele religioso, horrorizado com a definição vaga e mentirosa da evolução dada por líderes religiosos ignorantes, enrijecerá sua certeza acerca da plausibilidade da Criação e da oposta loucura da Evolução. Conseguintemente, terá livre espírito e sólida confiança para desafiar aquilo que ele considera inconcebível. Dirá, então, quem sabe, que a Evolução é só uma teoria (pejorativamente falando), uma hipótese, ou simplesmente alimento para os desejos abomináveis de cientistas ateus e de homens endemoninhados. O crente concluirá, por fim, que, como leu no pernicioso livreco sobre heresias, é preciso mais fé para crer na evolução do que para crer no desígnio divino. (A propósito, dizer que “é preciso mais fé para crer nas hipóteses da evolução do que para crer nos ensinamentos da Bíblia” não seria um tiro no próprio pé?)
Não bastasse o miserável ataque à evolução proposto na apostila sobre heresiologia do curo teológico do IBADEP, há uma nova e mais extensa crítica à teoria numa outra apostila do mesmo instituto de ensino, que tem o seguinte título: “Anjos, homem, pecado e salvação”. Tomo a liberdade de evidenciar aqui os principais aspectos da arguição neopentecostal, transcrevendo os trechos mais destacados e conceituosos, aproveitando, ainda, para fazer comentários e ponderações pessoais entre colchetes. Segue-se a súmula:
A Bíblia ensina claramente a doutrina de uma criação especial, que significa que Deus fez cada criatura “segundo a sua espécie”(…) A distinção entre o homem e as criaturas inferiores [Especismo!] implica a declaração de que “Deus criou o homem à sua imagem”.Em oposição à criação especial, surgiu a teoria da evolução, que ensina que todas as formas de vida tiveram sua origem em uma só forma e que as espécies mais elevadas surgiram de uma forma inferior [Nova amostra de especismo]. Por exemplo, o que era caramujo transformou-se em peixe; o que era réptil tornou-se pássaro; e (para encurtar a história) [Ou para tocar de forma ainda mais íntima na sentimentalidade dos crentes com a “falácia do espantalho”] o que outrora era macaco evoluiu e tornou-se humano [Percebam aqui o clássico erro de “o homem veio do macaco” (sempre útil para causar repugnância) em vez de se usar a correta expressão: o homem e o macaco têm um ancestral comum]. A teoria é a seguinte: em tempos muito remotos apareceram a matéria e a força – mas como e quando a ciência não o sabe [A ciência, com o Big Bang, está drasticamente mais perto da verdade do que a religião com seus mistérios intocáveis – esta manta para contradições e incoerências]. Dentro da matéria e da força surgiu uma célula viva [Quão irrisório retrato!] – mas de onde ela surgiu também ninguém sabe [Isto é, ninguém deseja saber, posto que há explicações racionais – embora não totais – para o surgimento das primeiras formas de vida na Terra]. Nessa célula havia uma centelha de vida [Eis a dificuldade de compreender a vida como química complexa e a consequente necessidade de anexar à ciência conceitos quase místicos], da qual se originaram todas as coisas vivas, desde o vegetal até o homem, sendo este desenvolvimento controlado por leis inerentes [Aqui há uma referência a “leis inerentes”, as quais, não sei se por economia de espaço ou má-fé, são omitidas]. De maneira que, segundo essa teoria, houve uma ascensão gradual e constante [Como já foi dito, não foi um processo livre de adversidades e, se sugerido como “gradual e constante” e, concomitantemente, combinado ao conceito usual de acaso, tende mesmo a parecer contraditório e infundado] desde as formas inferiores de vida às formas mais elevadas até chegar ao homem [Assinale-se aqui que esse especismo é imanente à religião cristã, mas absolutamente separado da teoria evolucionista].A Bíblia afirma que Deus criou o homem. A Bíblia diz: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra” (Gn 2.7). Esta afirmativa soberana faz cair por terra todas as teorias materialistas e panteístas que se baseiam em hipóteses e suposições infundadas [Uma mera afirmativa bíblica poderia se confrontar com provas de nível científico? A evolução é apenas uma hipótese ou suposição, um devaneio vazio? Não seria a própria Bíblia essa fonte de quimeras improváveis, tidas verdadeiras simplesmente por ocorrência das fraquezas e carências humanas que não admitem outra alegação que não aquelas que trazem significados acessíveis ao senso comum, e consoladores?].
Nessa passagem nada incomum da apostila de teologia do IBADEP, não há, novamente, nenhuma definição plausível da teoria por ela criticada. Em vez disso, distorções, ignomínias, falácias e evocações da Escritura são de constância espantosa. Até mesmo o especismo está explícito nas linhas acima. O que esperar, portanto, de um libelo vazio como esse? Não havendo provas que o respaldem, inteligência crítica em seu conteúdo ou ao menos o mínimo de sensatez e dignidade, ele seria confiável? Bem, àqueles indivíduos ávidos por respostas fáceis e agradáveis que confrontem o que lhes incomoda, escritos superficiais e especiosos são valiosos, mesmo que estes estejam sem qualquer alicerce racional. Conclui-se, então: tal tentativa de refutar a Evolução é inconsistente, pois foi barrada por uma limitação intrínseca ao sustentáculo da fé: a ignorância; afinal, as verdades evolutivas foram ignoradas ou omitidas – muitas vezes inescrupulosamente manipuladas.
Aí a questão surge ainda mais uma vez: Qual o motivo de tamanha rejeição, que além de espontânea é cega? Não nos esqueçamos: o homem é um ser de paixões fortes e limitações naturais.
É por ilusoriamente elevar-se acima do mundo que o homem propõe a transcendência. Não se trata de uma ascensão real, mas da realização de seu grande desejo de ser essencial. E se esse desejo é passível de ser suprido com esforços mínimos, geralmente não há dúvida quanto à escolha que parece mais conveniente. Esse meio acessível de saciar o apetite de sentido e relevância a preços baixos é a fé. Se determinada doutrina parte da concepção de que somos obras de posse divina, por que renunciar a esta ideia, se é suficiente e verossímil? Por que analisá-la, se a fé não é movida a evidências, mas a pressupostos misteriosos, incognoscíveis e invisíveis? Ora, por que questionar aquilo que se afigura óbvio?
Note-se o pendor humano para aquilo que o atrai e satisfaz em primeira instância. O que mais atrai o homem? A vida ou a morte? O prazer ou a dor? A alegria ou a tristeza? O amparo ou o desamparo? A comunidade ou a solidão? O fácil ou o difícil? O belo ou o feio? O bem ou o mal? O aparente ou o profundo?
Junte-se isso às habilidades humanas de criar, imaginar, crer e de se submeter livremente ao que lhe convém, ignorando automaticamente as visões opostas. Não está claro que, dessa amálgama de propensões e capacidades, resulte algo como a fé? Não está claro que o conceito de Criação é fruto dessa mesma mistura? Não está claro que a ciência, mesmo guiada por humanos falíveis, esquiva-se o mais que pode de vieses e debilidades mediante o método científico e a razão? A ciência é sua própria crítica; a religião abunda em dogmas inquestionáveis.
Atentemos a mais uma tentativa de crítica à Evolução, mais uma vez da esfera evangélica, retirada de um caderno de teologia da EETAD (Escola de Educação Teológica das Assembleias de Deus) cujo título é “Anjos, homem e pecado – O relacionamento das criaturas com o criador”. Essa crítica é, novamente, desprovida de argumentos plausíveis e provas, chegando, como bem se espera, às raias da difamação crassa e débil.
A Bíblia ensina claramente a doutrina de uma criação especial, ou seja, que Deus criou cada criatura “conforme a sua espécie” (Gn. 1.24). Isto quer dizer que cada criatura, seja o homem ou os animais, foi criada como a conhecemos hoje.Ao decorrer dos séculos, mais principalmente no século atual, muitas vãs filosofias, falsos ensinos e teorias, têm procurado lançar dúvida sobre o relato bíblico da criação. Entre essas teorias destaca-se a da evolução, concebida e largamente difundida pelo naturalista inglês Charles Darwin, que viveu de 1809 a 1889[Na verdade, Darwin faleceu no ano de 1882. Reparem que nem ao menos as datas são confiáveis]. Não obstante Darwin, antes de morrer, tenha apostatado dessa teoria que ele mesmo ensinou ao longo dos seus anos, ainda hoje ela é muito aceita e pregada nos círculos universitários [Onde estão as provas da apostasia de Darwin? Não é este um daqueles famosos boatos mentirosos?].A teoria da evolução tem como marco de partida a afirmação de que o homem e os animais em geral possuem um princípio em comum; isto é, tanto o homem como os animais procedem do mesmo tronco, e que hoje, homens e animais são uma soma de mutações sofridas no decorrer dos milênios. Em suma: o homem de hoje não era homem no princípio [Ou melhor: o homem não existia no princípio]. Desse conceito surgiu o ensino estúpido de que o homem é um macaco em estágio mais desenvolvido [Eles não se cansam de moldar a Evolução a seu gosto e ofendê-la sem, contudo, refutá-la].E para causar maior confusão, [Para quem se deixa aturdir...] a teoria da evolução coloca o início da vida humana há milhões de anos antes do tempo que a Bíblia sugere para o princípio da vida humana na terra [4004 a.C.? Quais as provas, então? Em 1881, Pitt-Rivers já derribou esta proposição, e mesmo, é claro, sem lançar mão dos métodos de datação radioativa que hoje a ciência possui e que têm alto grau de confiabilidade, servindo, assim, como fonte de mais provas da grande idade do planeta Terra]. Daí vem o ensino quanto ao “ homem da caverna” e ao “homem de Neanderthal”.É bom lembrar que quando tratamos da evolução, estamos lidando com a “teoria”, com suposições, e não com uma ciência que lida com fatos e dados concretos que possam ser provados [Este trecho é, verdadeiramente, um dos mais irritantes do texto, posto que situa a evolução como uma teoria, “apenas”, algo que não se pode provar. Não é preciso dizer que isso é claramente um apelo à ignorância].A nulidade da teoria da evolução é mostrada principalmente à luz do texto bíblico que diz: “Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente.” (Gn. 2.7) [Um texto apenas não constitui prova alguma; não pode, portanto, provar nem contestar coisa alguma].[Saltando alguns desatinos, e para encerrar:] Segundo a história da evolução e algumas camadas do criacionismo, mesmo portando a Bíblia, a história do homem na terra vai até 1.750.000 (…) anos. Como você pode ver, [Se você quiser ver assim...] dados como este são mais do que absurdos, principalmente partindo do princípio de que a história do homem não pode ter mais do que seis mil anos, mesmo levando em conta não sabermos como o tempo era contado antes do dilúvio [O que é deveras absurdo não é a imensa dilatação do tempo revelada, mas o modo como o homem, fugindo às evidências, reduz sua história para se determinar central].
Já se percebe que o foco da crítica aos criacionistas aqui realizada se volta a textos evangélicos. Mas não é por acaso. Os pseudo-argumentos encontrados neles constituem o arsenal usado pela maioria das pessoas comuns para se opor à Evolução, geralmente toscos e sem os ardis do Design Inteligente. Por isso, a pertinência de expô-lo e criticá-lo é indubitável para provar o quão frágil é o fio das razões que liga a maioria das pessoas ao criacionismo em nossos dias.
Como exemplo final de uma crítica imponderada, transcrevo uma pequena parcela de um texto contido num livro dedicado a responder questões sobre assuntos como Deus, criação, pecado, vida eterna e religião (rico em pérolas, posso lhes assegurar); seu título é “Novo Testamento Esperança – 99 questões de vida ou morte”. Que seja dada atenção ao argumento falacioso utilizado, que é na verdade mais uma repetição do argumento do relojoeiro de William Paley, concebido no início do século XIX, décadas antes da publicação de A origem das espécies, e ainda mantido, mesmo diante do fulgurante desenvolvimento da ciência e da biologia evolutiva. O trecho abaixo é uma resposta à pergunta “Somente os religiosos podem dizer algo sobre a existência de Deus?”, localizado numa das páginas do livro que discorre sobre Deus e a Criação.
Como se pode ver, a existência de Deus é constatada na própria criação. Como é possível que haja um universo tão belo e harmônico sem que um ser superior o tenha criado? Aqui descobrimos que qualquer pessoa, e não somente os religiosos, sabe que Deus existe. Essa verdade nos coloca numa situação de responsabilidade para com esse Deus. [Como texto de apoio, Romanos 1.18-20 é indicado].Romanos 1.18-20:18 Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça.
19 Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou.
20 Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que fiquem inescusáveis.
Parece-me claro que a Bíblia aqui afirma o mundo injusto como retrato de um Deus injusto. Onde está o mundo harmônico e belo? A criação é inescusável ou a suposição primeira de um homem que, imperfeito, tenta buscar levianamente a essência perfeita das coisas?
As paixões criacionistas obstruem uma visão mais ampla, seja ignorando o mal e o caos – suprimindo as circunstâncias desfavoráveis –, seja ignorando a complexidade da natureza e os conceitos fundamentais da ciência acerca do universo – duvidando das possibilidades de um universo suscetível a mudanças em vastas escalas de tempo e espaço.
Deixo aqui um interessantíssimo trecho da obra Ética, de Espinosa, que, ao ser visto em contraponto à questão da disputa Evolução x Criacionismo, nos revela muito sobre o ser humano e as origens de sua superstição.
Aqui me bastará tomar como fundamento o que todos devem reconhecer, ou seja: que todos os homens nascem ignorantes em relação às causas das coisas e que todos eles possuem ímpeto em buscar o que lhes é útil e disso são conscientes. A partir daí seque-se, primeiro, que os homens imaginam serem livres, posto que são conscientes de seus desejos e de sua motivação, e nem em sonho pensam nas causas que os dispõem a apetecer e querer, porque as ignoram. Segundo, que os homens agem sempre com vistas a um fim: à utilidade desejada, do que resulta que só anseiam sempre saber as causas finais das coisas levadas a cabo e, uma vez que delas tenham conhecimento, tranquilizam-se, pois já não lhes resta motivo algum de dúvida. Se não podem conhecê-las por outra pessoa, não lhes resta outra saída a não ser voltarem-se para si mesmos e refletir sobre os fins em vista a partir dos quais costumam decidir-se em casos semelhantes e assim julgam, necessariamente, a índole alheia a partir da sua própria. Além disso, como encontram, dentro e fora de si mesmos, não poucos meios que ajudam em grande medida a consecução daquilo que lhes é útil, como, por exemplo, os olhos para ver, os dentes para mastigar, as verduras e os animais para alimentar-se, o sol para iluminar, o mar para criar peixes, isso faz com que considerem todas as coisas da natureza como se fossem meios para conseguir o que lhes é útil. E, porque sabem que esses meios foram descobertos e não organizados por eles, tiveram assim um motivo para crer que haja alguém que tenha organizado tais meios com o objetivo de que eles os usassem. Portanto, uma vez que considerem as coisas como meios, não podem crer que tenham feito a si mesmos, e concluíram, baseando-se no fato de que eles mesmos costumam servir-se de meios, que há alguma ou algumas autoridades na Natureza, dotados, como os homens, de liberdade, que lhes têm proporcionado tudo e têm feito todas as coisas para que eles as usem. Dito isso: dado que nunca foi obtida notícia de tais autoridades, se viram obrigados a julgá-la a partir de sua própria compleição. Assim, afirmaram que os deuses dirigem todas as coisas à utilidade humana, com o fim de manter cativos os homens e por eles serem tidos na mais alta honra. Disso resulta que todos, segundo sua própria compleição, tenham cogitado diversos modos de dar culto a Deus, com o objetivo de serem mais amados por Deus do que os outros, e encaminham a Natureza inteira ao proveito de seu cego desejo e insaciável avareza. Assim, esse preconceito se transformou em superstição, deixando profundas raízes nas almas, o que tem sido o motivo de todos se esforçarem ao máximo por entender e explicar as causas finais de todas as coisas. Contudo, ao pretender mostrar que a Natureza não faz nada em vão (isto é, não faz nada que não seja útil aos homens), não nos têm mostrado, parece, outra coisa senão que a Natureza e os deuses deliram tanto quanto os homens.
Bibliografia:
“Anjos, homem, pecado e salvação”; IBADEP (Instituto Bíblico das Assembleias de Deus do Estado do Paraná), 3ª edição – Setembro/2004, p. 64
“Heresiologia”, idem,
DE OLIVEIRA, Eli Fernandes. “Novo Testamento – 99 questões de vida ou morte”, Editora Vida Nova, 1ª edição, São Paulo, 1998, p. 200
DE OLIVEIRA, Raimundo Ferreira. “Anjos, homem e pecado – O relacionamento das criaturas com o criador”, EETAD (Escola de Educação Teológica das Assembleias de Deus), 4ª edição, Campinas (SP), 2001, pp. 74-75
Odlave Sreklow
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