Posted: 16 Oct 2010 08:56 PM PDT
Desconstruir concepções infundadas e preconceituosas é talvez a aventura mais extraordinária e comovente que vivo na Europa. Uma a uma, diversas idéias tortas que trouxe comigo do Brasil são sistematicamente moídas.
[...]
Ah, quão maravilhoso é o tempo em que meu coração fica aberto à humanidade alheia, em que vivo o tempo de que fala Drummond, no poema “Mãos Dadas”:
O judeu suíço que, terminado seu estágio no hospital em que trabalho, me deu um ótimo armário que ficava em sua casa… E ainda me ajudou a trazê-lo (de metrô) ao meu apartamento, que fica no sexto andar de um prédio sem elevador. Não recebeu nada em troca: foi movido somente pela amizade.
A moça tcheca que, sabendo que eu visitaria Praga durante alguns dias, me dá as chaves de seu apartamento para que eu dele usufruísse. A explicação para tão nobre gesto é infinitamente bela na sua simplicidade: ela o fez apenas por me ter como amigo. Nada mais do que isso.
A jovem parisiense, sempre atolada de atividades, mas sempre generosa, que encontrou um tempo precioso para reler minha monografia de fim de curso e corrigir meu francês espaguetônico.
A médica italiana que deu três meses de sua juventude para cuidar de crianças pobres no sertão pernambucano.
O filósofo ateu que, há mais de dois anos, ao me alugar o studio, vê minhas evidentes dificuldades no idioma e vai paternalmente comigo até o banco, me ajudar a abrir uma conta.
A norte-americana estudante de arte, elegante e culta, que me brindou com a dádiva de uma amizade sincera.
O casal chileno que não me deixou sozinho no meu primeiro Natal no hemisfério norte, convidando-me para cear com eles.
A colega muçulmana que, tendo ganhado uns convites de cortesia, propõe-me a assistir a um concerto de música clássica.
O paciente egípcio que beija a mão da fonoaudióloga que o atendeu, em sinal de gratidão.
O rapaz francês que sempre se lembra deste perna-de-pau que vos escreve na hora de organizar a pelada do fim de semana.
Ah, Houellebecq, se você – e todos nós – abríssemos os nossos olhos e nos dispuséssemos a ver!
Entenderíamos que o mundo é uma maravilhosa encruzilhada de humanidades, repleta de um caleidoscópio de pessoalidades lindas e incoerentes, sujas e mágicas.
Perceberíamos brasileiros truculentos, mas contemplaríamos entre eles muitos brazucas gentis e cultos; enxergaríamos franceses doces em meio a outros ranzinzas.
Compreenderíamos que a nacionalidade, a etnia ou a religião a que pertencemos não são as raízes de nossas virtudes e defeitos; na verdade, nada disso nos faz melhores.
Vislumbraríamos que não há brasileiros, nem franceses, nem negros, nem árabes, nem judeus, nem católicos, nem protestantes, nem homossexuais, nem heterossexuais. “Existe é homem humano”, lembra Riobaldo. E existem essas minhas lágrimas que, ante a contemplação do homem, escorrem neste meu rosto crispado de humanidades.
[...]
Ah, quão maravilhoso é o tempo em que meu coração fica aberto à humanidade alheia, em que vivo o tempo de que fala Drummond, no poema “Mãos Dadas”:
O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,Quantas experiências e pessoas lindas eu tenho visto nesse tempo presente…
A vida presente
O judeu suíço que, terminado seu estágio no hospital em que trabalho, me deu um ótimo armário que ficava em sua casa… E ainda me ajudou a trazê-lo (de metrô) ao meu apartamento, que fica no sexto andar de um prédio sem elevador. Não recebeu nada em troca: foi movido somente pela amizade.
A moça tcheca que, sabendo que eu visitaria Praga durante alguns dias, me dá as chaves de seu apartamento para que eu dele usufruísse. A explicação para tão nobre gesto é infinitamente bela na sua simplicidade: ela o fez apenas por me ter como amigo. Nada mais do que isso.
A jovem parisiense, sempre atolada de atividades, mas sempre generosa, que encontrou um tempo precioso para reler minha monografia de fim de curso e corrigir meu francês espaguetônico.
A médica italiana que deu três meses de sua juventude para cuidar de crianças pobres no sertão pernambucano.
O filósofo ateu que, há mais de dois anos, ao me alugar o studio, vê minhas evidentes dificuldades no idioma e vai paternalmente comigo até o banco, me ajudar a abrir uma conta.
A norte-americana estudante de arte, elegante e culta, que me brindou com a dádiva de uma amizade sincera.
O casal chileno que não me deixou sozinho no meu primeiro Natal no hemisfério norte, convidando-me para cear com eles.
A colega muçulmana que, tendo ganhado uns convites de cortesia, propõe-me a assistir a um concerto de música clássica.
O paciente egípcio que beija a mão da fonoaudióloga que o atendeu, em sinal de gratidão.
O rapaz francês que sempre se lembra deste perna-de-pau que vos escreve na hora de organizar a pelada do fim de semana.
Ah, Houellebecq, se você – e todos nós – abríssemos os nossos olhos e nos dispuséssemos a ver!
Entenderíamos que o mundo é uma maravilhosa encruzilhada de humanidades, repleta de um caleidoscópio de pessoalidades lindas e incoerentes, sujas e mágicas.
Perceberíamos brasileiros truculentos, mas contemplaríamos entre eles muitos brazucas gentis e cultos; enxergaríamos franceses doces em meio a outros ranzinzas.
Compreenderíamos que a nacionalidade, a etnia ou a religião a que pertencemos não são as raízes de nossas virtudes e defeitos; na verdade, nada disso nos faz melhores.
Vislumbraríamos que não há brasileiros, nem franceses, nem negros, nem árabes, nem judeus, nem católicos, nem protestantes, nem homossexuais, nem heterossexuais. “Existe é homem humano”, lembra Riobaldo. E existem essas minhas lágrimas que, ante a contemplação do homem, escorrem neste meu rosto crispado de humanidades.
Leonardo de Souza, falando da Terceira margem do Sena.
Minas ainda existe.
Minas ainda existe.
Genial Texto, Odlave!
ResponderExcluirEle me faz pensar que eu não estou errado em questionar as convicções de certos "santos" acerca de seus pensamentos onde só se é bom e gentil quem professa determinada religião.
Me faz pensar que a essência de tudo o que é bom está na troca de gentilezas sem almejar prêmio algum em troca, apenas fazer o bem por fazer. Qualquer condenação para quem age e pensa assim é com certeza a maior das injustiças.
E, por fim, me faz lembrar a minha frase preferida de Jesus Cristo: "Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas.(Mateus 7:12)" Frase essa que eu sigo como regra única em minha vida acerca de crença e religião.
Abraço
Alexandre,
ResponderExcluirComo já disse antes, curto textos do site do Paulo Brabo (Bacia das Almas).
Muito antes de Jesus, essa era a filosofia do confucionismo.
Um grande abraço e que continuemos com este ideal de vida.
Odlave Sreklow.