quarta-feira, 21 de julho de 2010

Um garoto precoce



Era apenas um garoto que mal tinha tempo para exercer as principais tarefas de uma criança que é aproveitar este momento único para brincar, descontrair-se e não se importar com o futuro.

Mas nada disso fazia parte de sua época de adolescente devido à cultura à qual fora inserido.

Desde cedo assumiu responsabilidades que deveriam ser atribuídas apenas aos mais velhos, porque? Porque todos da sua tribo foram criados assim.

Em seu país, meninos são vistos com armas nas mãos.

Nos dias atuais, metralhadoras automáticas, mas, em sua época, espadas, lanças e escudos.

Seus amigos eram seus animais, por isso os defendia com unhas e dentes como se fossem seus próprios filhos.

Não haviam bolinhas de gude, pipas, carrinhos de rolemã, skate ou playstation.

Sua brincadeira era usar pedras como armas.

Apesar de parecer coisa de criança, aquelas pedras eram mais eficientes que qualquer espada, pois podiam acertar a ameaça de longe, trazendo assim mais segurança para o garoto.

Ah, como ele queria ser grande.

Ele não sabia que este tempo não voltaria depois, quem dera ele soubesse que ser grande não era tão bom como imaginava.

Fora sua puberdade precoce que o fizera ir ao encontro dos grandes guerreiros de sua tribo para observar como iam na batalha.

Era um garoto que sonhava com a guerra.

Não havia um instrutor de luta ou de artes marciais, sendo assim, o garoto treinava com as feras da floresta.

Eram leões e ursos seus adversários.

O que eu diria para um de meus filhos se fizessem tal "arte".

Era óbvio, ou se transformava logo em um homem ou seria presa fácil da vida que lhe oferecera o destino.

Certo dia, se oferecera para um cargo que fora recusado por muitos.

Era como assumir a gerência de uma empresa falida.

Mas ele não conseguia olhar apenas aquele momento, seus pensamentos iam além, o garoto olhava o futuro, seus olhos brilhavam.

Não era valentia, aquele menino homem não passava de um artista e sonhador.

Os adultos zombaram dele.

Diziam "Você? Logo você vai conseguir nos reerguer? Nos tirar do sufoco? Virar o jogo? Aos quarenta e cinco do segundo tempo? Esse técnico ficou louco?".

Mas o jovem dizia "Posso bater a falta professor?".

O "professor" Saul não tinha alternativas, olhou para o banco de reservas e viu quem? Somente homens adultos amedrontados.

O grande e sábio rei não tinha escolha.

Porque ele enviaria tão jovem garoto à morte? É um delírio, é loucura.

E foi o garoto como se fosse jogar sua primeira partida de "Mortal Kombat" no PlayStation.

Pegou sua arma, catou algumas pedrinhas, enquanto ouvia fortes homens rirem e perguntarem o que estava fazendo.

Só tinha uma certeza, a de que se existia alguém que se importasse com a justiça estaria ao seu lado.

Mas o tal justo não poderia estar do lado daquele que me ameaçava, já que nosso povo também invadiu estas terras destruindo seus moradores?

Nesta hora isto não importava, importava somente pegar o diploma da faculdade, mesmo antes da hora.

Após aquela batalha, onde ele mostrou para sua tribo que já era um homem por ter vencido a luta e matado aquele que os ameaçava, iniciava-se uma carreira não esperada.

Iniciava-se o momento dos holofotes estarem voltados para ele.

Foi um passo para se tornar rei, um jovem rei.

Inexperiente, sem muito conhecimento de vida, amadurecendo "na marra".

Um novo mundo surgia, não precisava mais trabalhar de sol a sol, agora tinha quem fizesse tal coisa para ele.

Comida e bebida, era só pedir. Roupas, escolher. Mulheres, chamar.

Assim se tornou sua vida.
Mas se tornar adulto tão rápido traz à tona alguns problemas mal-resolvidos no passado. Principalmente na vida amorosa.

Foi aí que, mesmo tendo diversas mulheres à disposição em seu harém, seus olhos brilharam por outra.

Era a mulher mais bela que já conhecera, para mim, deve ter sido importada das bandas do Brasil.

Desejos sexuais não vividos em sua juventude surgiam à flor da pele.

Ele se envolveu com tal mulher, que não era livre, mas que nada pôde fazer para se opor ao desejo do homem mais respeitado, honrado, porém perigoso de sua tribo.
Foi uma noite maravilhosa de sexo, ele pôde saciar desejos que haviam se acumulado em seu inconsciente que nenhuma mulher de seu harém jamais saciou. Fizeram sexo como dois animais, de todas as maneiras e formas. Suas mentes foram desligadas, somente estavam ativos seus corpos e órgãos genitais.

Porém, no dia seguinte a coisa foi diferente.

De um lado a mulher que sofria com a culpa de ter traído um marido honesto, homem de valor, um guerreiro que a amava muito, que nunca deixara faltar nada, muito menos carinho e sexo. Ela tinha tudo o que queria, e se perguntava "Porque? Porque?".

Do outro lado o homem mais poderoso do reino, porém, o mais angustiado, a tristeza e a dor o consumiam.

Não queria sair de seu quarto, se sentia mal.

Em sua tribo era comum usar sexualmente mulheres de outros homens, porém, quando estes homens e mulheres eram estrangeiros, inimigos vencidos em batalha.

Nunca fora permitido usar sexualmente uma mulher de alguém que fosse seu amigo e convivesse pacificamente como era o caso do marido guerreiro e fiel.

Ele dizia "Eu traí um amigo meu".

Havia criado um problema que não sabia como resolver, à sua disposição estavam todos sábios e anciãos da cidade.

Mas naquele instante, habitava dentro de si não o homem rei que de forma forçada se tornara, mas, o menino indeciso que sempre fora.

O que fazer? Teve um plano, provocar a morte do marido e assim, ter o caminho livre para tomar a mulher para si.

Assim fizera.

E após a morte daquele homem, o fantasma da culpa os assombrava.

A mulher gerou uma criança.

Esta criança simbolizava um erro, e toda noite, a cada choro do bebê, era como se fosse o lamento daquele homem caído na batalha.

O grande rei e sua nova mulher não conseguiam viver uma vida tranquila.

Não havia amor pela criança, havia desprezo porque a criança era o espelho de seus erros.

O que acontece com um ser humano que não é recebido neste mundo com amor? O que acontece quando um filho não se sente "ligado" com a mãe mesmo após o corte do cordão umbilical?

Era difícil para uma criaturinha tão inocente e insegura sobreviver assim, com um pai e mãe que, embora cuidassem e se preocupassem, deixavam escapar de seus olhos tristeza, angústia e uma certa rejeição pela criança.

Devido à este quadro, a criança enfraquece, adoece.

E agora? Pergunto eu, era castigo dos deuses? Na mente deles sim.

A criança morre, cuidados médicos não são dispensados, apenas aguardam a morte da mesma. O que fazer? A decisão deles foi apenas ficar sem comer e chorar porque achavam que era castigo divino.

Após a morte da criança o rei pede um banquete e se alimenta, agora a vida continua.

"Bola pra frente".

Esta criança ao andar no palácio seria como uma assombração, seria a ressurreição dos nossos erros, agora, não existe mais.

A mulher engravida novamente.

Nasce outra criança.

Permanecia a culpa pois, sendo filho da mulher de um homem que o rei causara a morte, era como se fosse o filho daquele mesmo homem, pois de certo seria, o rei se introduziu na árvore genealógica daquele homem tomando seu lugar.

O rei tinha diversos filhos, a hora de sua morte chegara, com a velhice a responsabilidade de entregar a tribo à um de seus filhos.

E sabe qual foi escolhido? Sim, o filho da mulher do guerreiro que ele havia causado a morte.

Mas porque?

Era a única forma de honrar aquele homem, colocando a coroa na cabeça daquele que teria sido seu filho e assim morrer e, caso se encontrasse com aquele homem, poderia dizer que sua mulher virou uma das mulheres mais ricas do reino e, que aquele que seria seu filho, se tornara um rei.

E assim termina esta história.

Odlave Sreklow.


14 comentários:

  1. Finalmente um relato des-romantizado da vida de Davi. Quantas vezes ouvi odes a este rei, tão idolatrado pelos evangélicos, como sendo "homem segundo o coração de Deus".

    Era tão somente um rei precoce, ao qual foi jogado o poder, e que não soube como lidar com ele. É interessante como a Moral é relativa. Davi certa vez matou 200 filisteus para arrancar-lhes os prepúcios como troféus, e isto nunca lhe incomodara. Mas comer a mulher do amigo foi um duro golpe.

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  2. Pois é Bill,

    A moral é imoral, rsrs, depende de que lado se está.

    Passei do ódio ao texto à interpretação humanizada e filosofal, rsrs (seria graças ao Edu, Gresder e Levi?).

    Um grande abraço,

    Odlave Sreklow.

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  3. Prezado Odlave


    Este seu ensaio, teve o condão de me fazer pergulhar no inconsciente de um homem poderoso e ao mesmo tempo cheio de temores, assediado constantemente pelo sentimento de culpa, configurado pelo remorso de ter infringido a lei que diz : "Não matarás (os amigos)"?

    Como essa lei mosaica era estendida (amoralmente?) só para os da mesma etnia, logo se conclui que, matar um guerreiro inimigo (de outra raça) não poderia gerar culpa pois não existia interdito na lei para tal situação.

    Urias por fazer parte do exército de Davi, foi no consciente do rei, internalizado como se fosse um dos seus - um hebreu.

    Interessante, o sentimento de culpa gerado em Josué foi na contramão do que ocorreu com Davi. A culpa inconsciente de Josue(expresso pela reprovação de Javé)foi decorente dele não ter matado a todos os gibeonitas, quando por piedade (seu desejo consciente em oposição a lei de Javé ou superego) deixou os estrangeiros que deviam ser mortos, habitar a terra que deveria ser só do povo escolhido de Javé.

    Este seu ensaio tem ingredientes para uma formidável dialética de ordem psicoteológica.

    Vamos aguardar o EDU (rsrs)

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  4. Exatamente mestre Levi,

    Quando desenvolvia o ensaio em meu carro, retornando do trabalho, eu estava tentando identificar porque o rei se preocupou com a morte do estrangeiro (heteu), já que muitos estrangeiros já haviam sido mortos sem deixar remorsos.

    Pensei que deveria ser pelo fato de fazer parte do exército dos hebreus, se tornando assim, não um inimigo, mas, um grande amigo que, mesmo sendo de outra nacionalidade dava sua vida pelo rei.

    Sendo assim, inicia um processo de culpa pelo que havia feito ao bom homem.

    Aguardamos o Edu, rsrs.

    Abraços,

    Odlave Sreklow.

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  5. Odlave,

    Ótimo texto, o post nós mostra o outro lado da moeda de Davi. Mesmo ele tendo as mesmas paixões e vontades que todos nós temos, ele foi um homem segundo o coração de Deus. Podemos considerar essa leitura do menino precoce como um axioma da realidade existêncial de Davi.

    Abraços mano.

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  6. Odlave,

    Este texto poderia ter uma adptação para os dias atuais? Qual seria o palco? EUA, Brasil, Israel? E qual seria o personagem? Um yuppie, um burocrata, um militar hi-tech? Isso porque o garoto prodígio parece tão cotidiano que não pareceria sincero colocá-lo no panteão de grandes vultos da humanidade, mesmo nos dias atuais.
    Abraço.

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  7. É interessante que cada tribo tem sua moral, entre os bandidos a pesar de seus crimes e roubos, lealdade entre eles é muito importante. Eles também têm suas leis e limitações impostas que para que quebrar tais regras será punido com a morte.

    Esse mundo deles, sobre as possibilidades e necessidades de suas próprias exigências inevitáveis. Seriam eles imorais, somente sobre o ponto de vista de nossas civilizações e não do ponto de vista existencial em que eles foram aleatoriamente jogados a esta vida.

    Assim também era amoral dos povos antigos aonde a vingança deles era uma forma de justiça, como nossa justiça é uma forma de vingança.

    Portanto faz sentido Davi cometer vários crimes e só se sentir culpado por este ato, pois esta era as sua leis morais a qual eles pesavam como lealdade e integridade de quem a vivesse, independente de serem polígamos, escravocratas, e assassinos de guerra.

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  8. Pois é Marcos Vinícios,
    O "endeusamento" desses personagens faz com que ignoremos a humanidade que existia em tais pessoas tão comuns.

    Gresder, exatamente, esta é a sociedade moralíssima que é cultuada pelos cristãos pós-modernos.

    Um grande abraço,

    Odlave Sreklow.

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  9. Cheguei meio atrasado...rsss

    Odlave, eu concordo com o que você disse em relação ao remorso de Davi por ter indiretamente, matado seu fiel general para ficar com sua mulher. Mas vejo nisso um pouco do caráter de Davi com todas suas virtudes e defeitos.

    Depois de saber que a mulher engravidara, ele chama Urias do campo de batalha para que dormisse com sua mulher e então, forjar que ele mesmo fosse o pai do filho do rei.

    Bem, não era lá uma saída muito moral mas se Davi fosse um rei com perfil absolutista, impiedoso que faz e desfaz, ele pouco se importaria com o problema.

    O fato de Urias se recusar a dormir com a mulher enquanto seus soldados estavam na batalha, deve ter deixado o senso de culpa de Davi ainda mais aflorado. Ele angustia-se com a situação. Tomado por preocupações que um rei daquela época nem deveria ter, ele faz o impensável: provoca a morte de um aliado valoroso. Davi sempre valorizou muito os homens que andavam com ele.

    O que é mais tocante, é o seu arrependimento. É só ler o salmo 51. Ali Davi se desnuda diante de Deus e sufoca diante do seu pecado. (será que por isso ele foi conhecido como um homem segundo o coração de Deus?).

    Matar um inimigo na guerra não é moralmente errado. Davi matou filisteus que eram inimigos do seu povo e que se fosse possível, os destruiria até o último homem.

    Resguardando as idealizações do texto bíblico, na guerra se você não mata, morre. E naquele tempo, a guerra era onde os reis exerciam a "diplomacia".

    Belo texto.

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  10. Bela observação Edu,

    Pena que Davi também não passa de um rei imaginário, uma lenda, sendo assim, a base utilizada para meu texto é falaciosa, tornando-o apenas uma fantasia da fantasia mental.

    Abraços,

    Odlave Sreklow.

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  11. Odlave, é bem provável que davi tenha sido um rei histórico. Existem achados arqueológicos que sugerem a existência de Davi como a estela encontrada pela equipe de Avraham Biran, arqueólogo do Hebrew Union College, em Jerusalém, que cita uma guerra entre os reis da síria, israel e judá que é chamado "casa de Davi".

    Bem, pode não ser o Davi bíblico mas é uma boa coincidência.

    Ainda que davi seja imaginário como você diz, a moral da história em relação à sua atitude permanece. Mas a figura de Davi é muito forte na cultura judaica e ainda que a sua história seja idealizada como eu falei, é muito provável que ele tenha existido de fato.

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  12. Edu,

    Sim, pode ter existido e ter sido um Grande Rei, de uma Grande tribo de meia dúzias de nômades.

    Abraços,

    Odlave Sreklow

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  13. Odlave, seu cabeçudo, na época de Davi os hebreus não eram mais nômades, já tinham se sedentarizado. Mas você está certo numa coisa: O reino de davi não foi maior do que o "reino do piauí." rsss

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  14. Edu,

    Obrigado pelo "cabeçudo", mas, este "reino" não passava de meia dúzia de nômades TENTANDO se fixar e guerreando com os vizinhos, sendo assim, ainda eram nômades, rsrs.
    Aliás, Israel até HOJE ainda é um "povinho" nômade lutando pelo seu lugarzinho, huahuahauahua.

    Odlave Sreklow.

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